terça-feira, 21 de abril de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

Carta de Repúdio

Eunápolis, BA. 03/04/2009
Cara Luisa,
Em 1994, Airton Senna morreu, tragicamente, em um acidente na pista de Formula 1; o Brasil ganhou a Copa do Mundo nos Estados Unidos; eu nasci. Mais precisamente no dia 10 de Junho, as 18 horas e 45 minutos, mas afinal esse texto não se trata de uma biografia, e sim uma carta de repúdio.
Ao longo de quase 15 anos de vida, eu repudiei muitas coisas, muitos atos, muitas pessoas, muitas atitudes, bem eu reclamei bastante e ainda continuo reclamando. Vejo, por exemplo, o quanto é chato não ter 18 anos e não poder mandar na minha própria vida, porque muitas vezes obedecer meus pais não é legal e eu reclamo. Reclamo quando acordo, de segunda a sábado antes das 6 da manhã. Reclamo por ter 6 aulas por dia, muitos trabalhos, provas, professores. Reclamo bastante por ter que estudar, em vez de curtir a vida, jogar bola, ou ficar 24 horas na internet. Adoro reclamar! E minha mãe já me diz, quatrocentas vezes por dia, que esse é meu esporte predileto: reclamar.
Uma carta de repúdio eu imaginei que seria a coisa mais fácil a se fazer, engano meu. Reclamar, por si só é a coisa mais fácil do mundo, agora reclamar e ter no que se basear não é tão simples. Temos de ter os melhores argumentos e uma opinião bem formada. Acima de tudo, temos que ter certeza de que o que repudiamos, realmente, nós achamos errado.
Nessa carta, eu resolvi então repudiar uma pessoa em especial: eu. Como eu adoro reclamar, mais dia menos dia eu teria de parar de apontar pros outros e teria de olhar pro meu próprio umbigo. Eis que chegou o dia.
De fato, acordo de segunda a sábado, antes das 6, tenho 6 aulas por dia, estudo, faço trabalho, reclamo. Mas eu podia ser menos egoísta. Embora eu me ache muito amiga e calma, eu sou extremamente egoísta! Enquanto eu reclamo por ter que estudar, garantindo assim o meu futuro, muitas meninas de 14 anos têm que trabalhar em laranjais, se prostituir, são abusadas, ou são viciadas, e eu fico aqui reclamando da vida.
Mas como pra mim, nunca é o suficiente, eu sempre arranjo alguma coisinha pra reclamar. Quando tem feijão, arroz e frango cozido, pro almoço, eu quase morro de desgosto... E pensar que tem gente que passa fome. Reclamo por não poder comprar um vestido um pouco mais caro... E pensar que tem gente que nem roupa tem. Fico de cara amarrada toda vez que não é do meu jeito... E pensar que pra algumas pessoas não pode ser de jeito nenhum! Agradecer que é bom, eu mesmo, não agradeço.
Eu reclamo tanto das coisas, que às vezes me esqueço de que não sou perfeita. Afinal, quem é? Errar faz parte da natureza humana, mas eu já deixei de perdoar, mesmo sabendo disso. Pra mim, as pessoas deviam ser menos preconceituosas, menos materialistas, mais humanas. Mas será que eu sou assim?
Não sou o maior monstro do mundo, não discrimino por cor, sexo ou roupa, mas não deixo de fazer piadinhas. Critico tanto, mas não me deixo ser criticada. Sempre tenho razão no final, quer dizer, erro pouco. Mas admito meus erros. Tudo bem que eu reclamo bastante, mesmo tendo muito. Senso crítico é para isso mesmo.
Queria deixar de reclamar, queria agir! Queria ser mais amiga, melhor filha, queria estudar mais, queria gostar de todas as matérias! Queria ajudar mais os outros, queria ter 18. Queria não julgar pela aparência, queria ouvir mais e falar menos, queria ser melhor. Queria mudar o mundo... Queria, não, eu quero!
Em 1994, eu era um bebê, não tinha a mínima idéia do que queria ser e pensando bem, ainda não sei. Quero muito, faço pouco! Me conformo ao ligar a televisão e ver que mais um foi morto, que mais uma guerra começou, que mais fome existe. Não me abalo mais com a Igreja Católica excomungando gente que faz o bem, muito menos me surpreendo com a violência. O povo pede paz, eu peço paz, mas ficamos só no ‘pedir’. Não tiramos a bunda do sofá para lutarmos por nossos direitos, ficamos vendo os corruptos roubarem nosso dinheiro, mas e daí, o que a gente pode fazer?
Aos 14 anos de idade, eu sou desacreditada e conformada. E essa carta, talvez, seja só mais uma me criticando, me abrindo os olhos, e mesmo assim eu continue parada, vendo tudo, e não fazendo nada. Pior que é bem provável que seja só mais uma carta... Já me disse tantas vezes, ‘essa foi a ultima vez, agora eu mudo’, e não mudei. Chorei, sorri, reclamei e me conformei.
Eu poderia repudiar o mundo, poderia reclamar dos homens, das coisas... Mas eu acho que antes de tudo, para repudiarmos o outro, temos que nos observarmos bem, para ver se nós mesmos não cometemos os mesmos erros que repudiamos nos outros. Devíamos agradecer pelo que temos e criticar menos. Mesmo que muitas coisas estejam erradas, repudiar não vai adiantar de nada, se ficarmos parados reclamando.
E sabe do que mais? Amanhã, eu vou acordar antes das seis, em pleno sábado letivo, vou ter 4 aulas, vou na rua tirar Xerox de alguns textos pra estudar, vou passar na pão e vinho e comer uma coxinha, vou chegar em casa e vou almoçar feijão, arroz e frango cozido!
Atenciosamente,
Eu mesma, Luisa.
P.S.: Esse texto é mais uma reclamação ao meu comodismo diante do mundo hoje e uma reclamação as demais pessoas, que antes mesmo de perceberem seus erros, saem criticando os outros.